Um inglês na Sardenha
D. H. Lawrence, inglesinho, foi para a Sardenha chateadinho.
Queixou-se: de que o empurravam na estação de comboio; de que o comandante do barco tinha um ar agressivo; de que a atitude irruptiva dos Italianos o fazia lembrar dos vulcões próximos; de que a empregada de quarto era intrusiva e lhe acendia a luz do quarto enquanto estava lá dentro; de que as pessoas eram insolentes, crudes, e de que tinham uma desconfiança barbárica; de que os Italianos se achavam lindos, mesmo quando lhes faltavam botões nas calças ou quando os chapéus apresentavam buracos de desgaste.
Contou: que lhe puxavam o braço enquanto em profunda comiseração lhe perguntavam: “o senhor sofre? O senhor está a sofrer?”.
Acusou-os: de que são terrivelmente físicos uns com os outros, e de que fazem demasiadas perguntas: “Quem é? De onde vem? Para onde vai? Porque é que vai? Tem filhos? Quer ter?”, aprovando ou não cada resposta, com olhos negros cheios de energia.
Espantou-se: porque em Itália se é bom, generoso e alegre, se faz barulho e se é vigoroso, sem que nunca, naquela agitação, se perca o sentido de desconfiança, se espere dos outros bondade ou civismo, se perca a noção de que o diabo se esconde atrás do arbusto seguinte.
E eu ri-me: porque sempre que volto ao Porto, depois de uma grande estadia em Inglaterra, também demoro muito a readaptar-me a esta assertividade, a esta forma brusca e direta de tratar dos assuntos, e tremo, chocada, com a facilidade e frequência com que me dizem, sem pestanejar: - não concordo nada!; - rápido, o que é que quer?; - não temos isso (adeus). E reparo que esta forma de ser me torna melhor pessoa porque me despacha, espicaça, me obriga a reagir e a ter um raciocínio acelerado, sempre preparada para ter que responder, a escapar-me a perguntas indelicadas que se lembram de fazer, e que me imprime energia, a mesma energia que me faz rir, e correr para conseguir o que quero. Faz-me sair de um modo letárgico e passivo, em que cai quem só ouve coisas agradáveis e politicamente corretas, educadas e neutras, das quais nunca nos temos que defender; mas que não nos acolhem da mesma forma, não se comprometem da mesma forma, não se preocupam da mesma forma, e que não me insultam, mas também não me fazem feliz, da mesma forma.
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