Momento Julia Roberts

 Cambridge, 22 de março de 2025

    O meu momento Julia Roberts é ao sábado de manhã, quando vou a Derby Street comprar pão. A Derby Street marca o fim do centro de Cambridge, antes de se iniciar o trilho verdejante para Grantchester (o campo!). Apesar de ser estreita, estou convencida de que é a rua com mais raios de sol em Cambridge. À direita, há uma padaria francesa com pães-pães – uma preciosidade nesta terra – rústicos, empilhados numa estante de madeira, com todos os furinhos de quem cresceu devagarinho para lá da forma posta no forno de lenha. Faz-se fila para entrar, e com calma vai saindo alguém com um saco de pão, e entrando outra pessoa sorridente à espera que encham o seu, enquanto cá fora, à porta, fica uma multidão de clients com cachecóis coloridos feitos à mão, alguns a folhear os seus livros, senhores mais velhos, e mais sábios, com os seus chapéus e jornais de baixo do braço que prometem ler depois de cumprida a tarefa de apreciar longamente quem entra e quem vai, e crianças pequenas de olhos gigantes que puxam com força as mãos das mães, destruindo o balanço que lhes permitia manter no ombro a tote bag, onde levam um ramo de flores. 

    As flores, foram buscá-las à mercearia aqui ao lado, dos senhores indianos que me tratam sempre como se gostassem de me ver – ou melhor, ele gosta de me ver, embora nunca interrompa o seu trabalho de fazer café a grão ou as suas longas contas à mão para me atender -, ela é muito antipática, mas a relação dos dois é divertida. Ela dá ordens, prega sermões, e sentada numa cadeira à frente da prateleira das refeições take away, que ela própria fez, tem toda a loja sob controlo. Nunca a vi sorrir, a não ser quando elogiam os seus cozinhados. Mas ele sorri-lhe, benevolente, como uma criança que agradece ter ordem na vida, satisfeito por poder anunciar que sim, fez o tal telefonema, que sim, fez a tal encomenda, e assim lhe vai prestando contas. Hei-de lá ir buscar o queijo para o pão (passo 2), mas para já, na padaria, faz-se fila. 

    Dentro da padaria, só há duas mesas. Numa, senta-se a rapariga que estuda ao meu lado na biblioteca e que aproveito para conhecer. Peço que me cortem o pão que fumega debaixo do meu braço, dentro do saco de papel, não resistindo à ideia de provar uma fatia, e reparo que a espreitar por um quadradinho que mostra a cozinha, o padeiro inspeciona com curiosidade a minha reação, muito divertido com o meu ar satisfeito de aprovação. Mas quem ficou mesmo satisfeito com o saco do pão foi o cão que esperava a porta, e que estendeu o pescoço a pedir festas, e a quem, claro, correspondi. Parecia dar-mo-nos muito bem, o cão e eu, e o dono apareceu depois, com calças beges, lamacentas, de quem veio de Grantchester, Hunter boots, e muito boa onda (também, com aquele cão...), mas nem pude apreciar porque meio irritado chamou o cão meu amigo, que me virou logo as costas, e lá se foram - o dono e o cão. Fim do momento Julia Roberts.







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