Maggie Smith

Porto, 6 de agosto de 2025

Ainda fico à espera de ver surgir os olhos azul-acinzentados de Maggie Smith no póster de cada novo filme que se anuncia. Que falta que nos faz! 

Aparecia sempre com as costas muito esticadas, exageradamente esticadas, quase a tombar para trás, como se o vento a fustigasse a meio da coluna, e tivesse que o contrabalançar com a sua própria força. 

O nariz sempre muito lá em cima, que se ia elevando ao longo das frases, acompanhado pelo movimento da cara, que rodava da esquerda para a direita, ou da direita para a esquerda, e que acabava apontado para o céu, como se o nariz fosse um taco de golfe que atirava a bola para lá da falésia até ao mar. 

Arreliava-se com pormenores engraçados e muito próprios, que outros nem reparariam, mas de cuja irregularidade estava absolutamente convencida. Há frases que eu sei – eu sei! – que foi Maggie Smith que incluiu no guião. Imagino-a a entrar de rompante na sala de gravação, os papéis numa mão, e uma caneta espetada no ar: - I made an alllllterrrrattion! (full stop; e o papel quase a voar com tanta assertividade). Como quando, em Jean Brodie, diz: “Quem abriu a janela, abriu muito! Quinze centímetros era perfeitamente adequado!” Ou quando estranha o facto de a reunião estar marcada para as 16h15 (e não para as 16h ou para as 16h30, como acharia normal), e entra nela sem olhar para trás: “- 16h15! Temo estar atrasada, ou quase!”

Há poucas Maggie Smith’s no mundo, mas consigo reconhecê-la por aí em algumas pessoas que me fazem sempre sorrir: naquelas a quem os olhos brilham quando provocam ligeiramente alguém, e ficam a espreitar para os olhos da vítima – como se entrassem pela sua alma adentro – a ver se o despique teve ou não teve sucesso. Como quando, ao despedir-se de uma visita indesejada, Maggie Smith (Jane Brodie) olha para as flores da anfitriã e diz: - oh crisântemos, flores tão úteis!, com um sorriso sereno e enigmático, atrás dos seus olhinhos redondos e assimétricos, com uma sobrancelha sempre mais levantada do que a outra. Ou quando, em My Old Lady, propõe um brinde ao dono da casa que lhe tem de pagar uma renda enquanto for viva, e que naturalmente não deseja a Maggie Smith uma vida longa, como ela bem sabe “- I am very precise! Precision is the key to a long life: precision and wine! Cheers?” (ehehe ;-)).

Também a reconheço nas pessoas que embirram com pormenorzinhos divertidos; e nas que acham graça à magia das coisas pequenas, – um bom deslizar numa rampa, um salto num buraco na estrada, a tinta amarela de uma carrinha, a personalidade das flores, …; e nas pessoas com muita convicção! Como quando Lady in the Van, muito séria, pede ao vizinho que a empurre rua acima numa cadeira de rodas, e este a ajuda convencido de que o duro transporte seria útil para a ajudar a alcançar um destino, e que fica perplexo, sem saber o que dizer, quando Maggie Smith lhe pede para dar uma volta, e a largar dali – iiiiiiiiuhhhhhhhhhhhh!, ficando a vê-la descer a mesma rua com as mãozinhas finas a orquestrar círculos de felicidade no ar! 

Devemos muito a Maggie Smith: bons filmes, sensibilidade, elegância, mas também uma forma muito peculiar de desafiar as coisas banais, levantar sobrancelhas, rir e defender convictamente as nossas peculiaridades e as nossas embirrações.




Comentários