Construtores, jardineiros e diletantes
Cambridge, 10 de março de 2025
Depois de várias horas a caminhar em direção da Catedral de Ely, avistando-a ao longe como uma nuvem ténue e sem forma, adquirindo lentamente nitidez à medida que nos aproximávamos, finalmente chegámos, sem fôlego: mas a catedral estava fechada. Porém, nos dias que se seguiram, apercebi-me de que estava extraordinariamente feliz. Seria porque gosto de andar, e o destino é irrelevante? Mas se a alegria resultasse apenas do caminho, sentir-me-ia feliz sempre que vagueasse por aí sem rumo, como faço muitas vezes. Por outro lado, se for o destino o mais importante, ter encontrado a Catedral fechada ter-me-ia frustrado, em vez de me deixar alegre. Isto fez-me pensar no livro de Čapek sobre jardinagem, maravilhosamente ilustrado, com o qual concluí que talvez haja três formas de viver: como construtores, como jardineiros ou como diletantes.
Os jardineiros encontram o seu propósito no processo de cultivar as suas flores. Trabalham não porque jardinar seja valioso – e de facto, param de o fazer quando a terra descansa durante o inverno -, mas pelas flores. Se o processo de jardinagem for demasiado simples, ainda assim o consideram virtuoso, pelas flores que dele resultam. E por mais que desejem colher os frutos do seu trabalho, maravilham-se e regozijam só por pensar nas flores que poderão um dia vir a nascer.
Os construtores são diferentes. Trabalham porque o labor enobrece, porque é belo ou saudável. Trabalhariam também no inverno, quando a terra dormisse, e mesmo que não valorizassem propriamente as flores. Enquanto a alma e o prazer do jardineiro estão no interior do solo, perseguido pela ideia de que a terra precisa de mais água, o diletante ama o cheiro das flores e a cor das nuvens.
O diletante exclama: “oh, que bela florzinha lilás”, ao que o jardineiro, ligeiramente ofendido, responde: “Não sabes que isso é uma Petrocallis pyrenaica?”. Mais cedo ou mais tarde, o diletante terá de olhar para o chão e descobrir, como escreve Čapek, “que nem as nuvens são tão diversas, tão belas e terríveis como o solo sob os seus pés. E então perceberá que deve dar mais ao solo do que aquilo que dele retira.” Percebi que aproveitei o passeio como jardineira. Enquanto a diletante em mim o achou bonito, apreciando a gradual mudança de tonalidades da vegetação, o que o tornou especial foi a antecipação de Ely em si: o rio que leva a Ely, a névoa que atravessa o trilho para Ely. Na verdade, Ely esteve sempre lá, no caminho.
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