Para o porte de arma exige-se licença, para a compra de medicamentos impõe-se prescrição, para o consumo de álcool a apresentação do cartão de cidadão, mas quanto aos cogumelos, nada se diz. O legislador e os penalistas pouca ou nenhuma atenção têm dado ao problema, embora numas lições antigas de direito penal se falasse do estranho caso de uma mulher que comprava cogumelos todos os dias no supermercado para os cozinhar na sopa, com a firme esperança de conseguir matar o marido. Certo dia, caído o pobre marido finalmente no chão, com o travo fatal dos tais cogumelos, os pobres alunos, como eu, perante o quid iuris que encerrava o enunciado do caso prático, entendiam que não podia haver outra solução senão a de condenar a mulher por homicídio. Mas não é que nos impediram de tal coisa? Foi-nos comunicado: servir cogumelos não é adequado a causar a morte, não é previsível que os cogumelos do supermercado matem, e a mulher, coitadinha, não pode ser censurada.
Nunca me esqueci de tamanha injustiça, que desde então me atormenta, e já lá vão muitos anos, sempre que me aproximo da secção dos legumes e me confronto com a visão dos tortulhos, autênticas armas à venda, em plena luz do dia. Não basta entoar as palavras "fungo" e "selvagem", para perceber que nada têm de bom? Como conseguimos cobrir com eles a pizza, à disposição das crianças? Sabemos nós lá se não vamos morrer à primeira colherada de sopa Knorr de cogumelos. E aí, meus amigos, ainda vamos ter de ouvir uma voz lá ao fundo de tudo, já lá nós noutra ponta: “eu bem te avisei!”.
E não avisaram? Desde o dia em que assisti à tal aula de penal, a vida deu-me uns quantos sinais. No fim do filme Phantom Thread, de Thomas Anderson, o marido de Alma apercebe-se, enquanto assiste derrotado à sua própria morte, de que a causa das suas indisposições se deve à ingestão continuada de cogumelos oferecidos pela mulher. Em as Histórias Bizarras, de Olga Tokarczuk, há um conto em que um homem morre ao comer um frasco de “pickled mushrooms, 2005” que afinal eram “pickled mushdooms”, o que só se descobriu já era tarde. A minha avó, que concorda com as minhas inquietações, conta que em Sernancelhe, onde foi colocada como notária, nunca sabia bem do estado dos cogumelos colhidos no monte que lhe ofereciam. Para a descansar, informavam-na dos dois testes totalmente fidedignos que precediam a sua chegada à mesa. Em primeiro lugar, enfiavam uma aliança de ouro num fio e faziam-na descer para dentro da panela. Se a aliança saísse oxidada, os cogumelos eram venenosos, se saía da mesma cor, eram inofensivos e podiam ser comidos. Finalmente, davam os cogumelos ao cão, e se também ele sobrevivesse, passados quinze minutos, eram servidos ao jantar.
Ainda no fim do ano passado, a BBC anunciou a morte de três pessoas depois de Erin Patterson lhes ter servido beef Wellington, “um prato que inclui cogumelos”, segundo a notícia. Se não acreditam, podem ler aqui: https://www.bbc.com/news/world-australia-67293752. E sabem o que dizem, mais vale prevenir que remediar: se nos derem cogumelos, é porque nos querem matar.
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